Um anjo chamado João Carlos

20:11:00

Era final de 2005 quando estava passeando pelos Fotologs da vida e encontrei o de um menino do Sul. A primeira coisa que fiz quando encontrei seu Fotolog foi mostrar para minha melhor amiga na época, Bianca, e dizer o quanto tinha achado ele bonitinho e que a gente ia se casar. Bianca concordou comigo, e disse pra eu ir falar com ele. Assim o fiz.

O nome dele era João Carlos Barcellos, que atendia pelo nick /barcejcos. Comentei em uma de suas fotos, ele retribuiu e começamos a conversar. Ele morava na cidade de Santa Maria/RS, nunca tinha ouvido falar e conversamos sobre a cidade. Nossa amizade foi crescendo, e então eu disse que achava ele bonitinho e que íamos casar. Como sempre gostei do Sul, disse que ia me mudar pra lá e morar com ele. Ele riu e concordou que íamos casar um dia. Conversávamos pelo MSN, por webcam, fazíamos piadas, coisas de adolescentes que éramos na época.

Em janeiro de 2006 viajei para Florianópolis e passei algumas fotos pra ele postar no meu Fotolog enquanto estivesse fora, porque Fotolog era um vício que tínhamos que alimentar. Até que ele ficou sem fotos e publicou uma dele, que tenho nos registros em minha página com o maior carinho desde quando nos conhecemos.

Não lembro como, nem exatamente quando e nem o porquê, mas nos afastamos um tempo depois, mas nos mantínhamos em todas as redes sociais, telefones na agenda do celular e trocávamos mensagens esporadicamente. Ele nunca se esqueceu de um aniversário meu, nem deixou de desejar um feliz Natal e um feliz ano novo desde 2005, tanto que nossa última mensagem é do ano novo.

Aí no domingo em torno de 13h acordei depois de um sonho muito estranho envolvendo fogo, pessoas correndo e acordei assustada. Foi então que fiquei sabendo da tragédia na boate. A primeira coisa que pensei foi "nossa, na cidade do João! Vou mandar uma mensagem para ver como estão as coisas". Até o momento não tinha passado pela minha cabeça a possibilidade de ele estar no meio daquilo tudo. Depois de uns minutos lembrei que ele trabalhava em uma boate, e vivia me mandando convites das festas mesmo sabendo que eu não ia poder ir por causa da distância. Foi quanto entrei em seu perfil e vi "João Carlos Barcellos. Trabalha em: Boate Kiss" e meu coração foi pra boca. Desci o scroll do meu telefone e vi várias pessoas mandando mensagens de despedida, quando meu corpo todo gelou. Liguei para ele e só dava caixa postal, não tinha lista de nomes liberada e eu sofria com a ausência de notícias.

Fiquei o dia inteiro dando F5 na página dele, entrando em contato com amigos dele de Santa Maria, com familiares e ninguém me respondia. Provavelmente todos estavam tão confusos e surpresos quanto eu com a possibilidade de termos perdido o João. No fim do domingo recebi a confirmação da triste notícia de que ele tinha sido uma das 231 vítimas fatais dessa tragédia, dessa desgraça, que comoveu todo o mundo. Foi um dos dias em que mais chorei na minha vida.

A gente sempre vê essas tragédias acontecendo: tiroteio na escola, prédio que desaba, explosão em prédios, mas nunca imaginamos que ali no meio possa estar alguém que conhecemos, alguém que gostamos, alguém que amamos, um amigo, um irmão, um familiar, um filho. Tudo sempre acontece com os outros. Ter um amigo que perdi em uma tragédia dessas me fez sentir na pele o que muitos sentiram quando mortes de pessoas queridas foram parar na mídia, e o espetáculo que fazem desse assunto. A GENTE NÃO CONSEGUE PARAR DE LEMBRAR A CADA SEGUNDO. Dói demais.

E eu fiquei pensando em todas as viagens que programei fazer para Santa Maria e não fiz, das vezes que falávamos coisas bonitas que nunca dissemos um ao outro pessoalmente. Foram tantas coisas que não disse, tantos gestos que não fiz. Como eu me arrependo. Ninguém imagina o tamanho da minha dor, do sentimento de impotência. Temos que aceitar e ponto, conviver com sua ausência. 

Aos que continuam nessa Terra, um conselho de um coração ferido e de uma mente transtornada e emocionada: não percam nenhuma chance que vocês tiverem de estarem com seus amigos, com as pessoas que você ama. Não deixem que o orgulho afaste você daqueles por quem vocês sentem algo tão puro quanto o amor. Não deixem mesmo para amanhã aquilo que se pode fazer hoje: uma ligação, uma mensagem, uma visita surpresa, qualquer demonstração de afeto. O João saiu para trabalhar como sempre fazia, e o amanhã não chegou para que eu pudesse mandar qualquer demonstração do quanto ele é querido, do quanto eu queria ter ido a Santa Maria dez mil vezes desde que nos conhecemos e do quanto eu gostaria que ele estivesse aqui ainda. Não deixem suas chances passarem porque o amanhã pode, simplesmente, não chegar.

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5 comentários

  1. Essa sua história é muito triste, Bel. Eu fiquei chocado quando acordei e vi essa notícia do incêndio e das mortes, mas continuei meu dia normalmente, porque não conheço ninguém da cidade. Mesmo assim, penso no assunto o tempo todo. Imagino como deve ser para você, que perdeu alguém querido. Tenha força que, embora a dor não diminua nunca, você se acostuma a ela.

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  2. É verdade, Leo.
    O que nos resta é aprender a conviver com a dor.
    Obrigada pela força.

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  3. Muito emocionante, essa é uma homenagem linda ao seu amigo! Que você tenha forças pra seguir em frente. Beijos

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  4. Meu amor, a vida é como um sopro, mas com toda certeza o João está sentindo seus pensamentos voltados pra ele.

    Não pense em tudo que você poderia ter feito, amor, pense nas coisas que fizeram. Um beijo.

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